Entrevista, Paulo Blikstein: "Nosso modelo de educação está morrendo"

Para repensar a educação no Brasil é preciso mudar o foco. Essa é a proposta do engenheiro paulista Paulo Blikstein, professor doutor da Escola de Educação e da Escola de Engenharia da Universidade de Stanford, com mestrado pelo MIT e doutorado pela Northwestern University (Chicago). Nome de referência na área, o engenheiro dirige o Transformative Learning Technologies Lab de Stanford e presta consultoria em projetos educacionais nos Estados Unidos e em diferentes países em desenvolvimento, a começar pelo Brasil.

Blikstein sustenta que, para mudar o que acontece na sala de aula, não basta preocupar-se com questões de gestão da educação, como a administração das escolas ou mesmo a garantia de novas vagas. Mais do que isso, é preciso, acredita o especialista, pensar um projeto educacional a longo prazo e perguntar-se sobre o que queremos ensinar às crianças para as demandas do século 21 e qual o papel que cabe ao professor nessa mudança de paradigma. Confira a entrevista a seguir, concedida por telefone desde os Estados Unidos:

Zero Hora – O que faz um bom professor?

Paulo Blikstein – Depende do que você quer que as crianças aprendam. Dizer o que é um bom professor é dizer o que a gente quer que ele ensine. Até pouco tempo, antes da internet e desta grande disponibilidade de informações instantâneas, uma parte importante do papel do professor era transmitir informação. Ele era o detentor da informação. Então, o que você queria é que ele soubesse explicar bem, aquela ideia do professor-ator, que dá uma ótima aula, que empolga os alunos. Agora, o professor que se quer não é mais o que explica bem e dá uma aula animada, porque a educação precisa ser cada vez mais personalizada: a era da educação de massas, na qual você ensina a mesma coisa para todo mundo, tem de acabar. O que queremos hoje são pessoas criativas, que saibam criar soluções para problemas complexos – então queremos uma educação cada vez mais personalizada, adaptada à cultura local. Então, o que faz um bom professor? Primeiro, sabe diagnosticar rapidamente eventuais dificuldades de seus alunos; segundo, diagnosticar de onde ele vem e como pode ajudá-lo a construir conhecimento novo a partir do que já sabe; terceiro, os desafios que você propõe aos alunos têm que ser estudados: se forem muito fáceis, o aluno não tem motivação; se forem muito difíceis, perde o interesse. Em resumo, o professor tem de ter um olhar muito cuidadoso e preciso sobre a individualidade da criança, entendê-la.

ZH – As faculdades estão sintonizadas com essas metas?

Blikstein – Acho que não. Há dois extremos: há quem ache que a formação do professor tem de ser puramente filosófica, sobre teorias abstratas do que é o aprendizado, ensinando Piaget, Paulo Freire, essas coisas. E tem outras pessoas que acham que têm de ensinar técnicas de ensino. Nem uma coisa nem outra está certa. Esses dois componentes têm de estar presentes, e infelizmente não estão.

ZH – Como o senhor compara a formação dos professores no Brasil em relação a outros países?

Blikstein – Esse problema de que estamos falando se repete em muitos países, inclusive nos EUA: aqui se debate também como formar um professor, se ele é um técnico de ensino ou se deve-se ensinar as grandes teorias de aprendizagem. Em países como Finlândia, Cingapura e Irlanda, a profissão de professor tem um status muito grande: são poucos que conseguem ser professores, há provas rigorosas. Isso faz com que você atraia pessoas com boa formação – uma diferença enorme para o que acontece em sala de aula. Para devolver à profissão do magistério esse tipo de status no Brasil, é preciso ter um plano de carreira, que não é só salário. Se você falar com professores, muitos não vão dizer que querem mais dinheiro, mas melhores condições de trabalho, menos alunos por sala, menos aulas por dia, melhores equipamentos. Então, para valorizar o professor, precisamos melhorar a qualidade de vida dele e, consequentemente, o que ele faz em sala de aula: dar a ele tempo para preparar a aula, acesso à cultura, à informação, a treinamento, salas de aula que não tenham 50 alunos. Enquanto a gente não encarar de frente essa questão, criando um ambiente que seja atraente para pessoas mais bem preparadas, não vai adiantar construir mais escolas, porque o que importa mesmo é quando o professor fecha a porta da sala de aula e está com os alunos. Esse é o momento fundamental da educação.

ZH – Qual o passo a ser dado para essas mudanças necessárias?

Blikstein – Em primeiro lugar, não se pode ter a ilusão de que educação é uma coisa barata. É cara. Não é como uma fábrica que você automatiza com um monte de máquinas, tem o custo do trabalho humano. Se você olha o custo por aluno no Brasil e em outros países, a diferença é enorme: em média, um aluno no Brasil custa de R$ 1 mil a 1,5 mil ao ano, o equivalente a cerca de US$ 500 a 700. Nos Estados Unidos, o custo de um aluno de escola pública é de US$ 5 mil ao ano. Um aluno no Brasil custa cerca de 10 vezes menos. É preciso se conscientizar de que o investimento tem de ser muito maior do que está acontecendo agora. Há países, como os que citei, que tomaram a decisão de economizar em outras áreas e investir pesadamente em educação – e há pesquisas que mostram que cada dólar que um país gasta em educação retorna multiplicado por nove em 10 a 20 anos.

ZH – O que falta para ter essa conscientização no Brasil?

Blikstein – A primeira coisa é entender que nosso modelo de educação, no Brasil e no mundo, está morrendo, precisa ser urgentemente transformado. É o modelo da educação massificada, baseado na transmissão de informação para os alunos, que aprendem as fórmulas de química, de física, as datas históricas. Esse tipo de informação hoje é completamente inútil, porque você pode buscá-las no celular, na internet, não precisa mais memorizar fórmulas e dados. Há uma pesquisa de um economista de Harvard que analisou nos últimos 30 anos os tipos de tarefas que as pessoas fazem no mercado de trabalho – as rotineiras, que são repetitivas, caíram aproximadamente pela metade, coisas de pensamento crítico ou de resolver problemas complexos mais do que dobraram. Hoje, o conhecimento de física e química fica obsoleto a cada cinco anos, então o que a gente ensina às crianças já não será mais ciência atual quando elas se formarem. Se as pessoas não aprendem a aprender, tudo que sabem quando se formam já está obsoleto. É preciso reestruturar todo o sistema educacional: a própria ideia de você ter aulas de ciência, de matemática, de português, divididas em uma grade, é também absurda. A maior parte do que se faz na escola deve ser orientada a projetos – de robótica, de cinema, de investigação científica – como se faz nas escolas mais progressistas em vários países, como a Finlândia, que tem um dos melhores sistemas educacionais do mundo. Antes de qualquer reforma, temos de pensar que tipo de escola se quer construir: se queremos aprofundar o modelo que já existe, de memorização da informação, modelo da era industrial, ou se queremos criar a escola do século 21, em que as pessoas vão usar a criatividade, o senso crítico. Se não decidimos, vamos ficar só perdendo dinheiro e tempo nesse limbo de querer melhorar um sistema educacional obsoleto.

ZH – Qual a sua opinião sobre os sistemas de meritocracia, baseados na avaliação do desempenho de alunos?

Blikstein – A meritocracia é fundamental na educação, mas é fundamental saber o que estamos medindo. Testes e provas não necessariamente medem o potencial dos alunos, medem a capacidade de fazer testes e provas. Você não pode basear um sistema meritocrático só nesse tipo de instrumentos de avaliação, porque eles são limitados e parciais. Eu sou a favor da meritocracia, mas com instrumentos mais holísticos de avaliação. Nos EUA, há um programa que vem desde o governo Bush, No Child Left Behind, que implantou testes anuais em todas as escolas públicas americanas. Se os alunos começam a ir muito mal nesses testes, eles fecham a escola ou diminuem a verba para escola, ou demitem os professores. As escolas viraram cursinhos para esses testes: os professores só ensinavam o que caía no teste. Foi algo desastroso, mesmo os professores criativos, que estavam fazendo algo inovador, tiveram que parar e começar ensinar para esse teste, porque, se as crianças fossem mal, a escola iria fechar. Corremos um pouco esse risco no Brasil se começarmos a universalizar esses testes. [Fonte: ZH]