Universidade vai oferecer o 1º curso de inteligência artificial do Brasil

A primeira turma de graduação em Inteligência Artificial do Brasil vai começar suas aulas em 2020 na Universidade Federal de Goiás (UFG). A criação do curso foi aprovada por unanimidade pelo Conselho Universitário.
Segundo o Anderson Soares, o futuro professor de Inteligência Artificial na UFG e doutor em Engenharia Eletrônica e Computação, a falta de mão de obra na área é um problema global e o Brasil já está atrasado.
O professor fala que mais de 30 países já possuem iniciativas do governo para promover estratégias de uso e desenvolvimento de inteligência artificial (IA). E as mudanças na sociedade virão rapidamente: segundo pesquisa da IBM, mais de 7 milhões de brasileiros vão precisar de recapacitação nos próximos 3 anos.
“O profissional especializado em inteligência artificial tem formação em nível de doutorado, por que antes era uma pesquisa feita a longo prazo. Tivemos um avanço muito forte desde 2012, com novas e diferentes aplicações para a tecnologia, o que tornou necessária a formação para níveis mais generalistas”, explica o professor.
“O curso profissionalizante tem grande valor, mas a IA envolve muitas competências. Uma formação mais sólida será necessária, abordando computação e matemática junto com visão de negócios e soluções para o mercado. São muitas frentes para atacar em curto período de tempo”, fala ele.Mesmo já existindo cursos de pós-graduação ou online e de curta duração, ele defende que a área é complexa e o mercado precisará de grandes líderes na transformação causada pela tecnologia.
Com duração de quatro anos, o professor conta que manter o conteúdo do curso atualizado foi uma preocupação na elaboração do currículo acadêmico, uma vez que as linguagens de programação mudam e avançam constantemente.
A solução foi elaborar a estrutura do curso em torno de questões mais amplas da área, pensando em soluções para o uso de dados. A parte técnica pode mudar, mas o ensino da lógica por trás das competências é perene.
Eles também tiveram grande preocupação com as demandas do mercado e as necessidades das empresas. No curso, os alunos vão aprender programação, mas sempre com um viés de empreendedorismo.
Assim, os alunos vão aprender sobre veículos autônomos, ciência de dados, assistentes pessoais, modelos preditivos e machine learning, entre outras vertentes do IA. O objetivo é que eles saiam da universidade não apenas desenvolvendo algoritmos e interfaces inteligentes, mas entendendo as diferentes aplicações da tecnologia nos negócios.
Como o papel da universidade também é gerar conhecimento científico, o professor conta que existem planos para criar um centro de excelência nacional em inteligência artificial, que será lançado ainda este ano.
A universidade deve ter um orçamento inicial de 23 milhões de reais para pesquisas na área. A expectativa é que o investimento alcance R$ 100 milhões em 7 anos.
“Esse centro poderá aumentar a competitividade do assunto no país, representando uma parceria da iniciativa privada e do poder público para desenvolver ciência de ponta e obrigar o curso a estar em sinergia com projetos demandados pelas duas frentes”, diz Soares.
Para ele, o novo curso acompanha um movimento global, com grandes universidades americanas, como o MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) e Universidade Carnegie Mellon, também abrindo graduação de bacharelado na área para 2020.
No Brasil, a forma de ingressar no curso pioneiro será através do SISU. Os candidatos podem se inscrever gratuitamente no sistema do Ministério da Educação usando sua nota do Enem. As inscrições para 2020 ainda não estão abertas.
O projeto pedagógico para o curso está na sua fase final de apreciação e mais informações devem ser divulgadas até novembro pelo site do Instituto de Informática da UFG: inf.ufg.br

Escola para a vida: como deve ser o ensino no século 21?

Mais do que alunos prontos para gabaritar provas e destacar-se em rankings, que cidadãos queremos formar? Os tempos mudaram, a neurociência aponta os caminhos da aprendizagem e o ensino precisa ser repensado para fazer o mundo melhor.

 Na educação do século 21, os alunos se tornam protagonistas do seu aprendizado e precisam ser ouvidos, podendo e devendo ser cocriadores das soluções (Foto: iStock)

 Para educar as crianças de qualquer geração, é preciso mirar o mundo em que elas viverão quando forem jovens e adultos produtivos. Diante das intensas e profundas transformações vividas nas últimas décadas, entretanto, fica bem difícil imaginar qual será a realidade de 2040 ou 2050. Para se ter uma medida das mudanças, cerca de 85% das profissões de 2030 ainda nem foram inventadas, segundo estudo do Instituto para o Futuro (IFTF). Apenas uma coisa fica clara: a realidade presente e do futuro, mesmo próximo, já não tem nada a ver com a do século passado. Apesar dessa certeza incontestável, as escolas ainda continuam seguindo a mesma lógica de ensino e passando os mesmos conteúdos de, pelo menos, 50 anos atrás.
“A educação básica é feita para preparar as pessoas para a vida e, atualmente, ela prepara para uma vida que não existe mais. É como querer instalar um aplicativo moderno num celular velhinho; ele trava. O sistema educacional hoje está travado”, resume Anna Penido, diretora do Instituto Inspirare, dedicado a contribuir para que a educação faça mais sentido aos estudantes. Ela ressalta que a única coisa do século 21 que tem na escola, hoje, são os próprios alunos. E que, além de pensar no mercado de trabalho, é preciso preparar as pessoinhas em formação para construir um mundo melhor. “Precisamos instrumentalizá-los para que sejam capazes de fazer transformações positivas no seu entorno.”

Nesse ambiente tão incerto da atualidade, o desenvolvimento do intelecto e o acúmulo de conhecimento – focos principais do ensino convencional – vão perdendo a relevância, já que essas áreas são cada vez mais dominadas pelas máquinas. Para poder encarar os desafios e se adaptar às mudanças, cabe aos seres humanos potencializar o que há de mais humano em si mesmos: criatividade, autoconhecimento, autonomia, pensamento crítico, capacidade de resolver problemas, de ter iniciativa, flexibilidade, empatia, entre outras coisas mais.
Apesar dessas constatações, as instituições de ensino de hoje – sejam­ elas públicas ou particulares – mais se assemelham a uma linha de montagem de estudantes para obterem boas notas no boletim ou em exames de ingresso nas faculdades. Sendo assim, sobra pouco espaço­ ou quase nenhum tempo para se dedicar a desenvolver qualquer uma dessas “competências”, como estão sendo chamados as habilidades pessoais que prometem fazer (e já fazem) uma diferença positiva na vida­ das pessoas.
Mas como ensinar isso na escola? Essa é a resposta que o mundo inteiro busca, mesmo os países com ótimos resultados no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). Esse sistema que compara o desempenho escolar de alunos de mais de 80 nacionalidades se resume a provas de matemática, ciências e leitura. Uma análise bem restrita diante da proposta de “educação integral”, que trabalha, além do aspecto intelectual, o social, o emocional, o cultural e o físico ao mesmo tempo. E que aos poucos vai se tornando um consenso mundial da direção a ser seguida pelas escolas para entrarem, de fato, no século 21. (Conheça uma escola pública e uma particular inovadoras nos textos ao final da reportagem)

Dar a mão à palmatória

Para o educador e pedagogo espanhol Antoni Zabala, referência mundial na área (leia entrevista aqui), o conteúdo do que é ensinado deve mudar radicalmente. “Seguimos atados a conteúdos históricos e outros pré-históricos. As matérias tradicionais morreram ou deveriam morrer, necessitamos de outros conteúdos de aprendizagem.” A afirmação, em geral, faz muita gente arregalar os olhos. Diminuir o volume teórico das aulas parece estar atrelado à queda da qualidade de ensino. Mas Zabala não ameniza seu parecer e sugere uma reflexão: “Você gostaria de ir a um dentista que usa métodos de 40 anos atrás? Temos ou não temos que mudar? Temos que continuar ensinando o mesmo da mesma maneira?”
Ele conta que, para melhorar o que escreve, não sabe usar a morfossintaxe que aprendeu na escola, embora tirasse sempre boas notas no tema. Isso porque a matéria foi ensinada para que ele pudesse fazer análise sintática das orações, mas não para melhorar um texto. “O objetivo do estudo como é hoje é errado: se ensina matemática, português e química, mas não para a vida. Embora para entender a vida seja necessário aprender matemática, português e química.”
Um dos responsáveis pela transformação curricular do ensino espanhol no período pós-Franco – reforma que ainda não conseguiu sair de fato do papel –, Zabala enfatiza que o mundo hoje exige mais capacidades do que conhecimentos teóricos isolados da realidade das pessoas. Assim como não é possível ser competente ou capaz sem conhecimento, este não serve de nada, por si só, se não puder ser usado para a compreensão e intervenção nos problemas da vida real, seja nos âmbitos pessoal, interpessoal, social ou profissional.


“Se perguntar aos empresários do mundo inteiro que características querem nos seus funcionários, a resposta é que fundamentalmente precisam de pessoas que saibam aprender a aprender, porque vamos ter sempre mudanças. Pessoas que saibam resolver problemas, trabalhar em equipe, que sejam solidárias e generosas”, argumenta. Como se aprende essas coisas? Na visão dele, só na prática é possível. “A dinâmica das aulas deve levar os alunos a fazer coisas dentro de sua individualidade”, afirma.
Zabala aponta que, com os avanços científicos em neurociência e comportamento dos últimos anos sobre como as pessoas aprendem, é possível deduzir novas formas de ensinar. Construtivismo é o nome que se dá aos estudos que procuram entender como se estrutura o conhecimento e, como o nome já sugere, segue a lógica de uma construção. “O construtivismo diz que devemos partir do conhecimento prévio dos alunos. Quando uma pessoa quer construir uma casa, a fundação não é a mesma para um terreno rochoso e para um arenoso. Portanto, devemos construir de acordo com o terreno”, exemplifica.
Dessa lógica da construção também surge a ideia de trabalhar as aulas por meio de projetos multidisciplinares. A proposta é permitir que os alunos escolham trabalhos práticos para desenvolver sobre temas de seu interesse. Por meio deles, os professores passarão os conceitos teóricos antes transmitidos de forma desconexa e teórica em intermináveis e maçantes aulas expositivas. Algo muito próximo de ir ao dentista sem medo e sem dor, para manter a comparação feita por Zabala.
Para se chegar a um novo sistema de ensino mais contemporâneo, é preciso também muita desconstrução de velhos conceitos, como carteiras enfileiradas, estudantes sentados e calados por horas, sinais sonoros marcando início e fim de atividades, séries definidas por idade, lições padronizadas por séries e relações hierarquizadas e autoritárias. A diversidade nos grupos de projetos – reunindo alunos de diferentes idades e diferentes níveis de aprendizado – vem substituir as tradicionais turmas de classe e costuma promover uma troca maior e um desenvolvimento mais personalizado de cada um.

“Não existe mais aluno de primeiro, segundo ou terceiro ano – existem João, Pedro, Maria, Teresa. Existem alunos, mas não grupos de alunos. Cada um é diferente, tem suas habilidades, talentos, valores, família, experiência distintas”, afirma Zabala. Para ele, o problema da forma de ensinar não está tanto na introdução das tecnologias, que são um meio eficaz de oferecer a cada um os conhecimentos mais apropriados a suas características, adequados ao seu ritmo e estilo. A questão maior é a resistência de boa parte do professorado.
Nessa mudança profunda de estímulo pedagógico, baseado em práticas e vivências, os alunos se tornam protagonistas do aprendizado, precisam ser ouvidos, podendo e devendo ser cocriadores das soluções. Ao professor já não cabe mais transmitir conhecimento; ele assume um papel de mentor, que interage, motiva, direciona e apoia o processo de descoberta dos estudantes.
“Não estamos pedindo ao educador nada diferente do que todas as profissões tiveram que fazer, que foi se reinventar a partir do aparecimento das tecnologias, das novas demandas, dos novos cenários”, argumenta Anna Penido. A diretora do Instituto Inspirare considera que o professor ainda é insubstituível, e provavelmente continuará a ser. Mas apenas se resgatado o papel do educador como alguém que pode transformar a vida do aluno é que a profissão ganhará valorização social. A recompensa financeira deve vir acompanhada.

Ponto de partida

O Brasil já iniciou de alguma forma o processo de inovação do ensino por meio do currículo, a grande bússola capaz de puxar a mudança. Ele determina os alunos que o país quer formar e, a partir dele, se definem infraestrutura de escola, formação de professor e práticas pedagógicas para se construir uma escola diferente. Mas, assim como na Espanha, ainda é preciso sair do papel.
Anna explica que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) tem um capítulo introdutório muito contemporâneo, apontando que a orientação para a educação básica é a promoção do desenvolvimento integral, trabalhando a multidimensionalidade do estudante por meio de competências gerais que são realmente o estado da arte no que hoje é a visão mundial desse assunto.


Mas as instituições escolares ainda têm dificuldade de trazer as competências gerais para o trabalho das disciplinas convencionais de português, matemática, ciências humanas, da natureza, etc. “Não sabemos ainda como trabalhar empatia, criatividade, cultura digital como algo basilar. Porque o que fizemos até agora nesse sentido foi como algo complementar. Então, ainda temos essa dificuldade de propor o novo.”
A BNCC do ensino infantil e fundamental já está homologada e sendo trabalhada para aplicação nas escolas. Mas a BNCC do ensino médio, que ainda não foi aprovada nem homologada, propõe mudanças para além daquele capítulo introdutório e ainda gera polêmica. “Imposta por meio de uma medida provisória, a polêmica da BNCC às vezes está mais no atropelo do processo do que no conteúdo. Mas pior seria se o país não estivesse discutindo essas questões. Temos que falar sobre isso”, afirma.
Não se justifica mais querer encontrar razões para não fazer essa transição, por mais drástica que pareça, porque o processo educacional já não pode mais ficar parado no tempo. As limitações das avaliações, da burocracia e da falta de recursos são dificultadores, mas não podem ser impeditivos. “As taxas crescentes de depressão e até de suicídios entre crianças e jovens, no Brasil e no mundo, são um fenômeno da inadequação e inadaptação à sociedade como um todo, e à escola em particular”, afirma Anna. Para ela, os níveis de angústia, ansiedade e infelicidade entre os estudantes estão levando as famílias – que na maior parte pensam com a cabeça do século 20 – a refletir se querem isso mesmo para seus filhos. Quando pais se unem a educadores e governos, a transformação do sistema de ensino se torna ainda mais consistente e possível. [Fonte: Revista Planeta]